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O Boteco do Papai

21-12-2010 14:49

 

O local parece abandonado, talvez pela grande letargia que paira sobre aquele canto esquecido em alguma parte do mundo. Metade do que foi um letreiro luminoso está apagado e o restante pisca sistematica e nervosamente tornando ilegível o nome da baiúca do meio do nada. Adentrando o local, minhas narinas são seviciadas pelo forte cheiro de suor, misturado a cigarrilhas ou charutos vagabundos e perfumes baratos. À minha esquerda um grupo de prostitutas, colocadas em recesso permanente pelas rugas e marcas de muitos anos na estrada da vida. Bebericam seguindo o marasmo do bar que como suas freguesas, perderam há muito tempo o glamour e tentam acompanhar em vão a vida que se esvai inexorável pela luzes que invadem a janela. Na mesa ao lado um bêbado, repousa, babando na mesa e sonhando com um passado que nem sabe se foi seu. No palco do rendè vous, um coroa, após um gole de conhaque, cantarola, solitário como seu violão e mais que desprovido de emoção, a música “Além do Horizonte deve ter”... talvez o arco-iris, que não viu, em sua curta carreira de calouro frustrado do Raul Gil. Prestigiando o coitado, duas mulheres abraçadas, blindadas, dançam, ou melhor, driblam as nuances de cotidianos dissabores da vida, temendo por um triste fim, não tão distante agora.

À minha direita diversas mesas aguardam fregueses que nunca vem, uns apanhados pela morte e outros deprimidos cativos. Lá no canto, camisa aberta, bermuda e sandálias, espalhado pela pobre cadeira, se esforça em vão para não ser notado. Entre goles de destilados e copos de cerveja, olha repetidamente para a porta da espelunca, à espera de sei la o que. Nem bem acomodo-me na mesa ao lado, alguém dispara: vais beber o que meu chapa? Calculando com bandeja, guardanapo, abridor de garrafas e bloco de notas e caneta repousada numas das orelhas, fatalmente não atingiria a marca de 40 kg de peso em seus imponentes 1,55m de altura .Cabelos quixotescamente espalhados, tentando esconder em vão, a devassa careca visitada diariamente pelo sol e consequentes marcas. Um fino bigode repousado timidamente sobre o lábio, atesta-lhe uma credencial de gigolô sem mercadoria ou em queima de estoque. Fiquei sorvendo lentamente a estúpida cerveja que trouxera-me o homenzinho, enquanto observava a figura da mesa ao lado. Vasta cabeleira que competia com a barba bêbada de tantos mergulhos sedentos nas canecas de chopp entremeados a copos de destilados. A voz pastosa dava vida às canções que não eram pra ser entendidas, mas, mal ouvidas. Debaixo da mesa, apagados, meia dúzia de anõezinhos orelhudos de roupas verdes e chapéus estranhos.Um deles, destacava-se ao dormir abraçadinho com o Pinóquio, bem... gosto ou preferência não se discute. Deitadas passivamente e fazendo companhia aos pequenos, três renas, amarradas a um dos pés da mesa, mascavam algum tipo de erva, folha de coca! Vá saber.

Diante deste dantesco quadro do iluminismo pósmoderno, enchi a boca de cerveja e depois de engolir vigorosamente, enchi os pulmões e soltei a pérola: Mas você não é o Papai No...

Chhhhhhhhhhhhhiiiiiiiiiiiuuuuuuuuuuuuuu!!! Emendou o velho e cansado senhor, cortando minha fala e pastosamente imperativo ordenou:  

- Cala a boca porra!

- Mas eu pensei...

- Pare meu amigo... Quem pensa neste mundo é Platão, Confúcio, Buda, Mao Tse Tung, Mahatma Gandhi, Aristóteles, Sócrates, Nietzsche, Descartes, Bacon, Séneca, Cícero, Camus e mais um bando de gente quem não tem o que fazer nesta vida.

- Talvez não passe por um bom momento mas sabes que é um ícone mundial reconhecido em todo planeta... e....

- Fumou maconha, ta mascando folhas de coca ou ta bebendo algo estragado?? Pare de falar merda, que meus ouvidos não são mais penicos!

É só chegar a época de final de ano que um bando de babacas que não teem o que fazer e ficam gritando aos quatro cantos cadê o Papai Noel? Bem, Papai Noel, aqui nos trópicos, pois tenho mais apelidos que bêbado. Eu ganharia mais se fosse um agente secreto, pois em cada lugar deste bendito planeta recebo nomes e roupas diferentes. Tudo de acordo com a criatividade dos retardados de plantão. Uma hora tenho barba comportada, outra tenho até o saco, não o de brinquedos que está sempre às costas, invenção de quem não tinha coisa melhor a fazer. Talvez tenha tirado o saco da bunda da própria mãe. Mesmo em lugares quentes lá estou eu com roupas de inverno. Me protegendo sei lá do que, talvez da falta de criatividade que permeiam as cabeças doentias dos lesados, bem mas deixa pra la e vamos aos fatos: Me apresento, dou meus nomes mais famosos e você escolhe o que mais lhe agrada, e lógico, guardo meu verdadeiro nome a sete chaves. Nikolaus ou Weihnachtsmann (Alemanha), Papa Nicolau (só para sua mãe),Papá Noel (Espanha), Viejito Pascuero (Chile), Djed Mraz (Croácia), Julemanden (Dinamarca), Bozicek (Eslovênia), Santa Claus (EUA), Joulupukki (Finlandia), Père Noel(França), Baboo Natale )Itália), Santa Kurosu (Japão), Dedo Mraz (Macedônia), Kerstman (Países Baixos), Pai Natal (Portugal), Father Christmas (Reino Unido), Ded Moroz (Russia), Jultomte (Suécia), aqui no Brasil Papai Noel.. e assim vai por este mundão afora....muitos impublicáveis.

Isso quando não me confundem e arrumam uma arca.. Noé???? É a puta que o pariu... esse bando de espermas malformados e reprovados do ENEM.

- Mas aonde está seu espírito de Natal, Papai Noel?

- Ora o único espírito que ainda prevalece é o Santo que está em baixa. O homem, continua ele,  esqueceu-se do verdadeiro sentido do Natal e com ele também até o velho Noel está indo pro saco, preciso mesmo me aposentar, já não tenho mais paciência de ler aquelas emerdeadas cartinhas. Que mandem para os políticos em quem votaram daqui pra frente. O mundo está muito material e capitalista.

-- Posso saber o por que de tanta revolta?

- Sinais dos tempos modernos: Minhas cuecas e renas são alugadas, minha produção de brinquedos há mundo foi terceirizada e o trenó está hipotecado. Isso sem contar com inúmeros problemas com o sindicato dos Elfos que vive me enchendo. Hoje os orelhudos teem mais direitos que deveres.

Só na produção deste ano , sofri como um cão: Faltou matéria-prima, meu primeiro atraso na produção. Sofri com a Lei antidumping e antitrust sem contar com a concorrência dos chineses que jogam diariamente produtos baratos e sem qualidade.  Além disso, enfrentei paralisação de 120 dias dos elfos, uma greve salarial. Paralisações políticas envolvendo envolvendo casos pontuais de assédios entre a Associação das fadinhas lésbicas e Grupo dos gnomos homofóbicos, travestidos de machos.

Dias atrás, foi desbaratada e presa uma organização criminosa formada por duendes que desviou milhões de brinquedos. Pra completar perdi cerca de dez renas envenenadas por chumbinho e até o saco que carrego nas costas não me pertence mais, dias difíceis. Isso sem contar com a Mamãe Noel, cansada da vida de 400 anos ao meu lado, trocou ares gelados da Lapônia por um surfista saradão de 25 anos. Vive leve e solta nas praias do Hawaii, alugando pranchas entre um baseado e outro.

Olhei firmemente para as bolhinhas de gás que desprendiam das paredes de meu quase findo copo de cerveja, imitando flocos de neve. E mesmo à véspera, temi por minha integridade física, desejar um... Feliz Natal Papai Noel!

 Roquemberg Duarte

 

 

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Bertinho, vem pra cá brincar com seus irmãos e teu pai reclama que andas muito sozinho a perambular pela casa. Que tanto pensas pelos quatro cantos, parece que estais a descobrir alguma coisa nunca vista antes. Papai adorou seus aviõezinhos movidos a elástico, sucesso total pela vizinhança....

E... Sem pedir ou dar gravatas!!!!!

RabinoHenrySobel.pps (323,5 kB) 

                                                                                         

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